Até os joguinhos mais populares da internet provocam dependência. Isso é um alerta!
Há três anos, o psicólogo Cristiano Nabuco atende viciados em internet. Uma das novas "drogas" é o "Farmville", aplicativo mais popular do site
social Facebook.
Parecem inofensivos. Mas esses novos jogos reúnem todas as características
favoráveis à dependência: aumentam a autoestima, propiciam uma ascensão rápida
(ainda que virtual), tornam-se mais difíceis nas fases seguintes.
Dessa forma, alerta o psicólogo, exercem mecanismos semelhantes aos de vícios
em outros tipos de entretenimento: o usuário busca esse mundo para fugir dos
problemas e simular uma vida social bem-sucedida.
"No tratamento, buscamos fazer um paralelo com o paciente para mostrar o
quanto a internet não é uma opção, mas uma rota de escape de uma vida
empobrecida", diz Nabuco.
Que riscos os jogos virtuais trazem?
Quando analisamos seus efeitos negativos, a
primeira coisa que vem à mente são os de combate. Eles favorecem a ascensão
rápida nas fases iniciais para mexer com o ego do jogador e, depois, exibem
dificuldades. Um dos poucos estudos sobre o assunto mostrou que, após dez
minutos de jogo, há liberação de dopamina, neurotransmissor que motiva e aumenta
a atenção.
Esses mecanismos também são encontrados nos jogos do Facebook e do
Orkut?
Nos jogos mais recentes, como o "Farmville", há uma mescla de
rede social com a perspectiva de poder administrar sua "propriedade". Ainda não
temos fundamentos para explicar quais mudanças bioquímicas ocorrem. Mas,
diferentemente de destruir, você passa a dividir, doar, construir. É como se a
sua generosidade fosse praticada virtualmente.
Muito do envolvimento das pessoas no jogo se dá justamente pela competição para ver que tem um ranking mais alto entre os fazendeiros (amigos do facebook).
Mas isso não seria bom?
A princípio, esses jogos seriam inofensivos. Mas veja este
exemplo: atendi uma senhora de 52 anos que não tinha disposição para sair e
estava com problemas de desempenho no trabalho. Parecia depressão até que, no
quinto encontro, ela me contou que se cansava por causa dos horários em que
ficava na internet. "Tenho uma fazenda, doutor. Quer ver no seu computador?
Tenho de acordar às 4h da manhã para colher os morangos, senão eles estragam."
Parecia uma menina mostrando sua Barbie nova! Tinha a fazenda mais bonita da
comunidade virtual e não poderia correr o risco de perder esse "título".
Onde esses diferentes tipos de jogos se encontram no que diz
respeito à dependência?
Todos promovem o aumento da autoestima. Para pessoas com
depressão, fobia social ou um problema psicológico pontual, a perspectiva de
"controlar" um ambiente se torna uma porta de fuga de realidades mal vividas.
Essa paciente descrevia uma qualidade de vida muito ruim e tinha uma vida
virtual muito boa.
Como ocorre essa promoção da autoestima?
Ela é construída sobre dois pilares: capacidade de controlar a frustração e de mudar o que está em seu entorno. Imagine um obeso que não consegue tolerar a frustração de ser gordo nem dizer aos colegas "não gosto disso" quando sofre uma brincadeira de mau gosto. Na internet, é só deletar quem os atinge. Lá, ele é o que não consegue ser de fato.
Ela é construída sobre dois pilares: capacidade de controlar a frustração e de mudar o que está em seu entorno. Imagine um obeso que não consegue tolerar a frustração de ser gordo nem dizer aos colegas "não gosto disso" quando sofre uma brincadeira de mau gosto. Na internet, é só deletar quem os atinge. Lá, ele é o que não consegue ser de fato.
O "Farmville" e outros jogos complementam essa estrutura?
Dão chances de o indivíduo realizar sonhos muito rapidamente,
desejos e fantasias que não conseguiria de outra forma. E, de quebra, gera a
expectativa de ser admirado.
Esse bem-estar persiste por muito tempo?
Quem joga por horas seguidas se sente melhor, mas isso é
pouco consistente, porque sabe que o sucesso está restrito à vida virtual.
O Brasil figura entre os maiores usuários das redes de
relacionamento. Esses fatores teriam alguma relação?
Talvez você consiga igualar as pessoas por meio da internet,
o que tem impacto por aqui. O menino da periferia pode ser ouvido em seu jogo da
mesma forma que alguém em melhor posição social.
As redes sociais também são agentes da dependência?
Ninguém chega no meio de uma sala e diz "Pessoal, saí com
fulano", porque é ridículo, mas muitos publicam isso em sites de relacionamento
para milhões lerem. Para que você seja legitimado entre os demais, tem de ter
sua página virtual. As pessoas estão viciadas em se relacionar pela internet. As
redes dão um grau de satisfação e aceitabilidade que elas não teriam no mundo
real.
O dependente é sempre mal resolvido com a vida?
Os profundamente dependentes perdem a habilidade de manejar o
tempo que passam na vida virtual. Em 99% dos dependentes, há depressão, fobia
social ou transtorno bipolar. Geralmente, há questões mal trabalhadas, como
problemas familiares.
Mas, então, essa dependência é sintoma de outra doença?
Acreditou-se nisso por muito tempo. Mas observamos hoje
comportamentos nesses pacientes que levam ao diagnóstico de dependência.
Quais são esses critérios?
Falar só de Orkut e de jogo, ter noção de que faz uso
excessivo, mas não conseguir reduzir o tempo, apresentar depressão ou ansiedade,
tender a mentir sobre uso abusivo, sofrer impacto na vida profissional e social
e ter oscilações de humor se não acessa a internet.
Muitos correm o risco de perder a noção do real e do virtual?
O jovem não dá o telefone na balada, passa o MSN. Não liga,
manda torpedo. Até a comunicação sofre interferências do mundo virtual. Quanto
mais eu fico na internet, mais ocupo meu cérebro com essa vida virtual. Ele
perde momentaneamente a habilidade de discernir o que é virtual do que é
realidade.
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