Quando uma bactéria ou vírus, por alguma razão, consegue vencer as defesas e aninhar-se nas meninges, elas se inflamam, podem produzir pus e a infecção se espalha por todo o sistema nervoso central.
Dor de cabeça, vômitos, rigidez da nuca, prostração, febre alta são sintomas característicos do quadro de meningite. Por isso, nunca devem ser desconsiderados, especialmente em duas faixas etárias extremas: nos primeiros anos de vida e quando as pessoas começam a envelhecer. Diagnóstico precoce e início imediato do tratamento são fundamentais para controlar a evolução da doença.
AGENTES INFECCIOSOS DA MENINGITE
– Quais tipos de germes provocam a meningite?
– Teoricamente, a maioria de germes que causa infecções nas pessoas pode causar meningite. Um exemplo é o pneumococo, germe da pneumonia, que também pode ser agente de meningite.
No entanto, entre todos, destacam-se dois grupos principais: o das bactérias e o dos vírus, germes muito menores do que as bactérias e que, em geral, provocam um quadro mais leve da doença.
MENINGITE VIRAL
Como é a evolução da meningite viral?
– O quadro das meningites virais é mais leve, mais brando. Os sintomas se assemelham aos da gripe e resfriados. A doença acomete principalmente as crianças, que ficam um pouco amolecidas e irritadas, têm febre e se queixam de dor de cabeça. No exame clínico, percebe-se que a nuca está um pouco rígida e que a reação é de dor, quando se tenta dobrá-la. Uma vez que os exames tenham comprovado que se trata de meningite viral, a conduta é esperar que o caso se resolva sozinho como se faz com os resfriados.
A grande diferença entre a meningite bacteriana e viral está nesse detalhe. A maioria das meningites virais é mais benigna e evolui sem tratamento. Já as causadas por bactérias podem ser graves e devem ser tratadas imediatamente com antibióticos.
MENINGITE BACTERIANA
– Quando se fala em meningite, as pessoas imediatamente pensam numa doença infecciosa, muito grave e que pode deixar sequelas. Como é a evolução da meningite bacteriana?
– Essa fama terrível da doença se deve a um tipo específico de meningite provocado por uma bactéria chamada meningococo. No Brasil, ela ganhou notoriedade porque, entre 1972 e 1974, ocorreu em São Paulo a maior epidemia de meningite meningocócica de que se tem notícia no mundo.
O meningococo é transmitido pelas vias respiratórias, quer dizer, o convívio íntimo entre as pessoas favorece a transmissão da bactéria, que passa do nariz para o sangue, é levada para o cérebro onde estão as meninges e provoca uma infecção. Os sintomas aparecem em pouco tempo. Os mais característicos são febre alta, mal-estar, vômitos, dor de cabeça e no pescoço, dificuldade para encostar o queixo no peito e, às vezes, manchas vermelhas pelo corpo, sinal de que a infecção está se alastrando rapidamente.
Associada à infecção por outros tipos de bactéria, a meningite por meningococo pode ser fatal em algumas horas. Felizmente, uma minoria de casos evolui com essa gravidade. Nos outros, a evolução é mais lenta, o que permite identificar a doença e introduzir sem demora o tratamento.
- Só o meningococo pode provocar um quadro como esse?
– Não. Também o pneumococo, bactéria que causa pneumonia, e o hemófilo. As mães já devem ter ouvido falar deste último porque há vacinas contra ele.
DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO
– Às vezes, o tratamento tem de ser mais agressivo e exige internação hospitalar.
— Quanto mais rápido o tratamento começar, menor a possibilidade de o quadro evoluir mal. Por isso, feito o diagnóstico de meningite, providencia-se imediatamente o exame do líquido da espinha (líquor ou líquido cefalorraquidiano) para saber o tipo de agente infeccioso envolvido. Se for uma bactéria, o antibiótico precisa ser introduzido sem perda de tempo. Se for um vírus, bastam os cuidados prescritos para as viroses em geral. O paciente pode voltar para casa, pois em um ou dois dias o problema estará provavelmente resolvido.
No entanto, se não houver indicação segura do agente infeccioso que provocou a doença, introduz-se imediatamente o antibiótico. Na dúvida, sempre pró-réu.
– Quando você usa a expressão “na dúvida, pró-réu”, quer dizer que a pessoa já deve tomar antibiótico enquanto espera o resultado do exame de líquor?
– Se o exame vai demorar, somos obrigados a prescrever antibiótico antes de saírem os resultados. Criança com meningite não pode esperar seis horas sem medicamento para fazer o exame ou receber o resultado, porque meningite bacteriana grave pode matar em seis horas.
O principal indício de que o quadro não está evoluindo bem é a criança ficar largada, muito caída, e aparecerem manchas vermelhas em seu corpo. É uma manchinha no rosto, debaixo da pálpebra, às vezes uns pontinhos vermelhos na conjuntiva, meia hora depois uma na mão e outra no joelho. Esses sinais caracterizam uma emergência médica que requer atendimento o mais rápido possível.
– O que expressam essas manchinhas pelo corpo nos casos de meningite?
– Elas são expressão de que há grande quantidade de bactérias circulando pelo sangue. Em medicina, isso se chama septicemia ou, de acordo com a terminologia técnica, sepse. As manchas vermelhas indicam que, em vez de a bactéria concentrar-se no cérebro ou na coluna, prefere circular mais rápido e causar uma infecção generalizada, às vezes, antes mesmo de instalar-se nas meninges.
A septicemia ou sepse é muito grave, porque faz a pressão sanguínea cair rapidamente, e a pessoa entra em choque. Nesse caso, mesmo nos melhores centros médicos do mundo, o índice de mortalidade se aproxima dos 30%. Já nos casos em que a meningite é isolada, quer dizer, a criança não chega a ter essas manchas, mas apresenta os outros sintomas, a mortalidade é bem menor. Parece que há tempo para os profissionais de saúde instituírem o tratamento com antibióticos, líquidos, etc., e a criança tem mais chance de recuperar-se.
DIFERENÇA ENTRE AS VIRAIS E AS BACTERIANAS
– Existem dois grandes grupos de meningite: as bacterianas capazes de produzir quadros gravíssimos e as virais, que têm apresentação benigna e evoluem independentemente do tratamento para a regressão completa em poucos dias. Como se estabelece a diferença entre as duas?
– A diferença só pode ser estabelecida por um médico através de alguns exames especiais. O principal é a análise do líquido da espinha colhido na região lombar (na parte inferior da coluna) ou na nuca. A presença de pus nesse material normalmente cristalino indica infecção por bactéria, e a meningite (também chamada de purulenta por isso) exige tratamento agressivo.
– O que dá a certeza do diagnóstico é o exame do líquor. Muitas mães têm medo desse exame. Ficam impressionadas com a necessidade de introduzir uma agulha na espinha da criança.
– Esse exame é absolutamente necessário e profissionais com experiência o realizam como se estivessem tirando uma simples amostra de sangue.
– Vamos nos ater um pouco mais nas meningites bacterianas. A pessoa adquire a bactéria em geral pelas vias aéreas superiores: mucosa nasal, amídalas, faringe. Na maioria das vezes, ela se assesta nesses órgãos e provoca uma infecção que é curada. Por que há casos em que ela se instala exatamente nas meninges?
– Ainda está em estudo, mas parece que as três principais bactérias que causam meningite – meningococos, pneumococos e hemófilos – conseguem romper a divisão entre o aparelho respiratório e o sangue e têm a capacidade de alcançar o sistema nervoso e nele se instalar. Pode-se dizer, então, que elas têm afinidade pelo sistema nervoso.
Vale lembrar que, no dia a dia, entramos em contato com uma infinidade de bactérias, mas pouquíssimas com a propriedade marcante de migrar para o cérebro e causar meningite. Por isso, a maioria das pessoas não desenvolve a doença. Um caso, porém, de meningite meningocócica numa criança justifica a prescrição de alguns medicamentos para todas as pessoas que morem na mesma casa a fim de erradicar as bactérias que estejam eventualmente em sua respiração, já que as da meningite gostam de se alojar no trato respiratório.
– Os contactuantes devem ser medicados tenham sintomas ou não?
– Dependendo do tipo de meningite, sim. No caso de meningite causada por meningococo, uma doença bastante grave, é preciso assumir que quem convive intimamente com o paciente pode ter adquirido a bactéria e por isso deve ser medicado.
– Quando aparece um quadro de meningite numa escola, as mães ficam muito preocupadas e acham que as aulas deveriam ser suspensas.
– Tudo depende do tipo de meningite. A meningite por meningococo, às vezes, exige erradicação em todas as crianças que conviveram com o doente. Já a meningite por pneumococo, por exemplo, não requer erradicação.
As regras variam muito, mas permanece o mito de que um caso de meningite num aluno requer que se suspendam as aulas e se feche a escola. Não é essa a melhor conduta a adotar.
O Estado de São Paulo possui um sistema de vigilância de casos de meningite bastante eficiente e um sistema de notificação bem montado.Todo caso de meningite, qualquer que seja sua causa, é de notificação compulsória, ou seja, o profissional ou a unidade de saúde que identificarem um caso da doença são obrigados a mandar uma ficha para o Centro de Vigilância Epidemiológica Estadual.
- Como funciona esse serviço?
— No site do CVE - www.cve.saude.sp.gov.br - podem ser obtidas as informações dos principais agravos de doenças transmissíveis em São Paulo, mês a mês, ano a ano.
Se houver grande aumento no número de casos em determinado mês que caracterize uma situação de epidemia, o serviço está preparado para instituir medidas mais drásticas, inclusive fechar as escolas por alguns dias. Essas situações de exceção quem identifica é o CVE. Medidas desproporcionais à gravidade do caso podem trazer enormes transtornos sem nada que os justifique.
VACINA CONTRA A MENINGITE
– Quando se fala sobre vacinas contra meningite, estamos nos referindo apenas às meningites bacterianas?
– Essa é uma pergunta muito importante. Vamos destacar outra vez as meningites bacterianas causadas pelo meningococo, pelo pneumococo e pelos hemófilos que podem provocar quadros graves e deixar sequelas, como surdez em um ou nos dois ouvidos, porque a infecção afeta os nervos auditivos.
Para a meningite por hemófilos, que ocorre em crianças até por volta dos 5 anos, existe uma vacina que já faz parte do calendário de vacinação e é administrada aos dois, quatro e seis meses de vida, sendo feitas depois as doses de reforço.
– Essa vacina não protege apenas contra a meningite, protege contra outras doenças também…
– É verdade, porque essa bactéria, às vezes, causa sinusite e otite nas crianças. Segundo os dados divulgados pela Secretaria de Saúde, essa vacina está reduzindo drasticamente o número de casos de meningite causada por hemófilos, pois está sendo ministrada na maioria das crianças uma vez que faz parte do programa oficial de vacinação.
A vacina contra a meningite por pneumococo também existe, mas enfrenta um problema logístico. Ela foi lançada em países europeus e nos Estados Unidos e adaptada para o tipo de bactéria que existe nesses lugares. No Brasil, o pneumococo é um pouco diferente e, embora sejam necessárias algumas adaptações, a prevenção que oferece é boa.
Quanto à vacina contra meningite por meningococo, a problemática é outra. Existem vários grupos dessa bactéria. Para um deles há uma vacina lançada recentemente que previne quase 100% dos casos. Mas há outros dois que não respondem da mesma maneira. A proteção é bem menor e funciona mais tarde, quando a criança está mais velha, ou seja, quando os casos de meningite são menos comuns.
– Na verdade, a pessoa precisa ser protegida contra as três bactérias que provocam meningite o que não é uma coisa simples de fazer.
– Não é. Contra a doença provocada especialmente pelo meningococo é preciso pedir ajuda para a unidade de saúde que oferece vacinas, ou para o médico e clínicas particulares.
PICO DE INCIDÊNCIA
– Por que as crianças são mais susceptíveis à meningite?
– A incidência da meningite tem um pico na primeira infância. Quanto mais jovem a criança for, maior a possibilidade de ficar doente. À medida que vai crescendo, o risco diminui e reaparece com o envelhecimento.
A meningite é, portanto, uma doença que se concentra nos dois extremos da vida, quando a defesa do organismo está um pouco imatura ou quando começa a enfraquecer por causa da idade.
No entanto, como ocorre preferencialmente em crianças, as ações de identificação de casos de meningite, de instrução dos sintomas e preparação da rede de médicos e hospitais objetivam instruir a respeito da identificação de casos de meningite nessa faixa etária.
SEQUELAS
– O medo das sequelas apavora todas as pessoas que têm uma criança com meningite. Elas realmente ocorrem?
– As sequelas das meningites bacterianas podem ocorrer e o risco é proporcional ao tempo que se demora para fazer o diagnóstico e instituir o tratamento.
A meningite provoca uma inflamação das membranas que estão em volta do cérebro. Se nada for feito, há um acúmulo de pus que não tem por onde escapar e a formação de abscessos que afetam partes nobres do cérebro ou alguns nervos. Essas lesões neurológicas são irreversíveis. Por isso, quando a doença demora a ser diagnosticada e tratada pode provocar sequelas como surdez, alterações de percepção e movimento ou outras ainda mais graves.
SINAIS DE ALERTA
– Como os pais podem reconhecer a meningite nos filhos e o que devem fazer nessas circunstâncias?
– Toda a vez que a criança, especialmente se for muito pequena, ficar muito mole, caída, pouco responsiva, irritadiça, com febre e se queixar de dor de cabeça é preciso suspeitar de que possa ser um quadro de meningite.
– Dor de cabeça em criança tem sempre que valorizar.
– Tem que valorizar. Se ela vomita, vai ficando mais prostrada e apresenta dificuldade para mexer a cabeça porque a nuca está mais rígida e dolorida, é preciso procurar um médico para obter um diagnóstico e começar o tratamento o mais depressa possível.
– O atendimento rápido e a instituição do tratamento logo que os primeiros sintomas da doença se manifestam, em geral, asseguram boa evolução do caso.
– A maioria das infecções por meningococo, em geral as mais graves, se tratada precocemente, costuma evoluir bem. As pessoas se curam e não ficam com sequelas.
Fonte: Dr. Esper Kallás é médico infectologista e pesquisador da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e do Hospital do Servidor Público do Estado de São Paulo.
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